terça-feira, junho 06, 2006

Coabitação e Chefes de Estado no Sistema de Governo Semi-Presidencial Português

No sistema político-constitucional português, a coabitação – relação institucional estabelecida entre um PR e uma maioria parlamentar (e, outrossim um primeiro-ministro e um governo) de diferentes áreas políticas, parece-me poder assumir as seguintes dimensões:

§ Coabitação – cooperação ou Coabitação cooperante: é a que mais se aproxima de um cenário de confluência ou convergência. Caracteriza-se por uma colaboração estreita do Presidente da República com a maioria parlamentar e com o governo, através do apoio directo ou indirecto ao programa do Executivo, ou ainda de uma gestão cuidada da agenda presidencial, que evite temas “polémicos” ou situações de colisão. Ao nível institucional pode verifica-se essencialmente o seguinte:

o Fraca utilização do poder de veto pelo PR, especialmente do veto político a decretos promanados do governo para serem promulgados como decretos-leis;

o Omissão de referências à actividade governativa nas intervenções públicas (oficiais ou não oficias) do Presidente da República, com uma clara preferência por temas transversais à sociedade civil, que envolvam uma certa unanimidade ou pelo menos se afastem da turbulência do debate político;

o Procura de alguma consonância – pelo menos relativamente às questões fundamentais – nas declarações e intervenções públicas, tanto do Chefe de Estado, como dos responsáveis governativos, isto é, por outras palavras, desejo de “falar a uma só voz” (por exemplo, sobre um determinado tema relacionado com a Comunidade Internacional que imponha uma posição pública de PR e PM, não pode o primeiro assumir uma determinada orientação, e o segundo, uma orientação completamente antagónica e vice-versa);

o Desejo de exteriorização de uma imagem de harmonia, que sugira a existência de um convívio institucional saudável e leal entre as principais figuras de hierarquia do Estado (Presidente, AR, responsáveis governativos…);

o Havendo contestação social a posições ou decisões assumidas por um órgão (normalmente pelo governo, até pela especificidade das suas funções), o outro (normalmente PR, até na linha da relação de responsabilidade política existente entre ambos) preferirá o silêncio, a pacificação, nalguns casos a neutralidade. Raramente tomará partido pelas manifestações críticas, e se o fizer, será de uma forma velada;

o Dedicação exclusiva (ou quase exclusiva) de Presidente, Governo e maioria parlamentar às suas funções específicas, evitando-se as áreas de intervenção partilhada, por se temer que nestas se espelhem com maior clareza divergências e discordâncias doutrinárias (por outras palavras, cada órgão procurará envolver-se ao máximo nas suas próprias funções evitando pontos de contacto com as funções dos outros, por temer que tais pontos possam despoletar uma situação de conflito);

Esta variante da «coabitação», que de certa forma contraria os princípios e as características fundamentais do modelo onde se desenvolve, será naturalmente a mais rara, cingindo-se a situações particulares, a conjunturas políticas e sociais únicas e tendencialmente de curta duração. Poderá surgir essencialmente em três condições:

o Quando, contando ambos com níveis de popularidade consideráveis, Presidente e partido do governo se preparem para enfrentar eleições próximas. Neste caso a pacificação é uma atitude preventiva que revela o receio que, cada um dos protagonistas tem, de, em caso de conflito, o eleitor tomar partido pelo “coabitante” e o penalize nas urnas (um exemplo histórico será o da coabitação pacífica do Presidente Mário Soares com o governo do Prof. Cavaco Silva durante o seu primeiro mandato. Na verdade, Soares e Cavaco desejavam a reeleição, e sabiam que envolverem-se em controvérsia poderia ameaçá-la. Do mesmo modo, parece poder dizer-se que entre o agora Presidente Cavaco Silva e o primeiro-ministro José Sócrates, se estabelece uma relação do mesmo tipo);

o Quando, apesar das diferenças politicas e ideológicas, a personalidade dos ‘coabitantes’ os aproxime, havendo uma similitude de estilos e até de procedimentos perante determinados casos concretos (tem-se apontado ser esta a principal fonte do (até agora) saudável entendimento entre o governo de Sócrates e o Presidente Cavaco Silva. Por mim, não tomo partido acriticamente por esta posição);

o Quando a conjuntura (política, económica, social, cultural) do país seja demasiado delicada e exija a cooperação das principais figuras do Estado, se não trabalhando em conjunto, pelo menos não bloqueando reciprocamente a actuação uns dos outros (a actual situação portuguesa, ainda que num recorte menos amplo, parece poder inserir-se nesta premissa); […]

§ Coabitação – conflito;

§ Coabitação – equilíbrio;

(Estas duas últimas variantes serão desenvolvidas no próximo “post” onde tentarei também, na medida do possível, estabelecer uma relação de coincidência entre elas e os tipos de Presidentes (classificados em função da sua intervenção política) característicos dos sistemas semi-presidenciais: Presidente Dirigista, Presidente Participativo, Presidente Moderador/Normalizador e Presidente Simbólico. Cada um deles será também objecto de tratamento futuro, à excepção dos dois primeiros, cujo quadro classificatória já foi estabelecido num “post” de Abril deste ano).
NOTA - Este exercício resuta da simples obervação quase "empírica" do fenómeno em causa, e do desejo de tentr, descomprometidamente, discuti-lo. Não se visa nenhuma enumeração doutrinária ou algum tipo de classificação científica/inovadora. Até porque, para além de essa não ser a minha intenção, não teria de resto condições para tentá-la.

1 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Por mim, penso que o governo e o Presidente se estão a dar demasiado bem! M J C

08 junho, 2006 14:54  

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