Confronto de Gerações
Eis a perspectiva do jornalista Mário Bettencour Resendes, de cerca de 50 anos, sobre os jovens e os adolescentes portugueses do nosso tempo. É, ao que diz, o perfil duma geração do «curto prazo»:
O período das férias de Verão serve, entre muitas outras coisas, para que os pais aprofundem a "análise crítica" do comportamento dos filhos adolescentes.Durante algumas semanas, o convívio familiar estende-se por um número de horas diárias que não tem paralelo ao longo do ano civil. E, nessa medida, permite a consolidação de algumas ideias feitas e ainda algumas surpresas, umas mais agradáveis do que outras.Em matéria de ocupação de tempos livres, descontadas as idas à praia e os mergulhos na piscina - quando existe... -, as diferenças não são substanciais relativamente ao que se passa noutros espaços de pausa escolar ou mesmo nos fins-de-semana. Mesmo assim, entre as saídas nocturnas e a consequente "ultrapassagem" das refeições matinais e as intermináveis sessões de playstation, proporcionam-se tempos mais alargados de conversa familiar. Com algum espanto, percebe-se, por exemplo, que a chamada "cultura geral" vai bem mais além do que o afastamento da leitura regular faria supor - embora, muitas vezes, conheçam melhor o que aconteceu há séculos do que a actualidade dos dias anteriores. Confrontamo-nos, ainda, com um conjunto de preocupações que acabam por não se afastar muito, na sua substância, do que acontecia nos nossos tempos de adolescência.Há, no entanto, uma diferença marcante nos ritmos de comportamento diário e que tem a ver com o que surge como uma completa ausência de planeamento. É uma geração que vive no curto prazo: às seis da tarde, partindo do princípio de que já recuperaram da agitação da noite anterior, não fazem a mínima ideia onde estarão a seguir ao jantar. Pode, mesmo, surgir uma combinação de última hora relativamente ao jantar (para desespero de pais avisados, que tinham feito marcações em restaurantes...). E, ao longo da noite, as divagações sucedem-se ao sabor de impulsos de momento, contribuindo para aumentar a angústia parental de quem, graças aos telemóveis, faz questão em saber por onde andam os filhos.Tudo isto custa dinheiro e acontece, sobretudo, nos escalões sociais que acumularam alguma prosperidade nas duas últimas décadas ou que têm o acesso facilitado ao "dinheiro de plástico".É óbvio que a orientação dos progenitores exerce alguma influência, pelo menos nas margens destes comportamentos, mas não há manual de parentalidade cuja observância garanta a excelência dos filhos. Vale a pena, a este propósito, ler o que dizem Steven Levitt e Stephen Dubner no seu Freakonomics. Demonstram, com exemplos variados, que as teses sobre a "parentalidade correcta" têm vindo a mudar em processos de contradições sucessivas, com alguns reputados especialistas a escreverem o contrário do que defendiam há alguns anos. Estudos recentes e aprofundados, levados a cabo nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, "rebentam" com algumas das teses que se supunham mais sólidas sobre a relação entre a natureza e a educação. Em 1998, Judith Rich Harris, uma "avó sem qualquer filiação académica", escreveu um livro "provocador", transferindo para a escola e para os grupos de amigos a influência que os pais julgavam ter na formação dos filhos. Para surpresa de muitos, as ideias de Harris foram aplaudidas por nomes fortes da especialidade. Se quisermos caricaturar, as flutuações de opinião, neste domínio, recordam o que se tem passado com as teses médicas sobre a "boa alimentação". Quem não se recorda, por exemplo, dos propagados malefícios do azeite, agora tão celebrado?Enfim, este fascínio dos adolescentes dos nossos dias pelo curto prazo pode não ser mais do que uma resposta a uma sociedade que entrou em processo de mutação acelerada, com uma multiplicação interminável e concorrencial de solicitações. E este texto pode não ser mais do que uma desfocagem por parte de uma memória obliterada por mais de três décadas de distância. Dirão os optimistas do costume que, "a seu tempo", esta juventude assumirá as rédeas do poder e "cumprirá a sua missão", embora se esteja longe de perceber de que "missão" se trata.Haverá que esperar 15 a 20 anos para se saber de tudo isto. Até lá, custa-me a aceitar a dificuldade em programar um jantar com dois dias de antecedência e, se quisermos ir para o domínio do conhecimento, impressiona o alheamento generalizado sobre a envolvente interna e internacional. Não se lhes pede que saibam quem ganhou a última guerra no Médio Oriente (um enigma que continua a encher páginas de jornais), mas podiam, ao menos, saber que houve uma guerra no Verão...
Fonte: DN
3 Comentários:
Parece-me que infelizmente M. B. Resendes tem razão.
- O verão é muito curto para que pais e filhos adolescentes se conheçam.
- A cultura geral dos adolescentes e dos jovens é cada vez menor (ou na melhor das hipóteses resume-se a um ou dois tópicos!)
- A famíla tem cada vez menos importância e menos influência na vida dos jovens.
- O único ponto de ligação entre eles é o telemóvel: instrumento útil e cada vez mais indispensável nos dias que correm.
É claro, que isto diz respeito à grande maioria, felizmente existem algumas excepções, que normalmente são mal compreendidas e desprezadas!
M J C
Gostei do que li e sei realmente que as coisas infelizmente funcionam assim. Tenho em maos um post escrito mas ainda nao tive tempo para o passar para o blog que foca um pouco do que relatas aqui. Muitos se queixam mas poucos fazem para mudar as coisas. Queixam se os pais, queixam se os filhos. Algo tem de mudar. Obrigada pela tua visita ao meu blog. Beijinhos
Não deixa de ser verdade que em algumas familias as férias de verão são tão aproveitadas longe do "lar" como é decorrido todo o resto do ano, mas não me parece tb muito correcto generalizar tanto e pôr a esta geração um rótulo de quase inutilidade e futilidade. Parece-me a mim que, muitas das vezes, quem escreve estes artigos se esqueceu de cmo era no seu tempo e se esquece também de estabelecer os paralelismos entre a playstation, as saídas noturnas e tudo o que existia na sua epoca... Não eram eles nenhuns santos filhos de papás nem somos nós nenhuns desligados fúteis que só gostam de "córtir"... Há adolescentes e adolescentes, cmo sempre houve... ;)
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