A inauguração da Legislatura, na vigência da Carta Constitucional de 1826, vista por Ramalho Ortigão
“ (…) Para inaugurar a nova legislatura, veio do Paço da Ajuda, o soberano, em coche de Gala, precedido dos seus archeiros, com os reais pés constitucionalmente apertados no polimento novo das suas botas de generalíssimo:
“Dignos pares e senhores deputados da nação portuguesa! Mais uma vez calcei as minhas botas altas e abotoei o meu grande uniforme, para vir dizer-vos que continua a estar lá em casa o trono dos meus antepassados (…) esse inviolável penhor da paz internacional e da prosperidade pública (…) onde me sentei eu hoje a ler as folhas e a digerir uma taça de chocolate e duas boas brioches, com que ao erguer da cama, castiguei o meu real corpo, inspirado pelo apetite que à Divina Providência aprouve conceder-me. Enquanto ao Governo, ai está essa bendita papeleta, que é a Carta da qual espero que os dignos pares e senhores deputados na Nação, continuem, como até aqui, a extrair o número de pilhérias suficientes para divertir o povo.
Com isto não enfado mais, e passo a fazer aquilo que por vós outros está talvez já feito há muito: venho a dizer – que me safo. Dignos pares e senhores deputados da nação portuguesa, está aberta a galhofa”.
(…)
“ Senhor! A Câmara ouviu com profunda sensação e ilimitado júbilo o discurso que a Coroa se dignou lhe dirigir. A Coroa pode, quando quiser, ir para casa, descalçar-se, despir-se, pôr-se à fresca, e continuar a ler as folhas sentada no penhor da paz internacional e das públicas liberdades. Praza a Divina Providência continuar a manter intacto o apetite da Coroa para as suas brioches matinais (…). Enquanto ao Governo, a Câmara espera continuar a haurir da letra da Carta e do respectivo acto adicional, as facécias necessárias para manter o espírito público no mais subido grau de satisfação e de alacridade. Deus guarde V. Majestade por longos e dilatados anos! ”
As Farpas, Ramalho Ortigão, VII, Fevereiro 1875 (excertos)
“Dignos pares e senhores deputados da nação portuguesa! Mais uma vez calcei as minhas botas altas e abotoei o meu grande uniforme, para vir dizer-vos que continua a estar lá em casa o trono dos meus antepassados (…) esse inviolável penhor da paz internacional e da prosperidade pública (…) onde me sentei eu hoje a ler as folhas e a digerir uma taça de chocolate e duas boas brioches, com que ao erguer da cama, castiguei o meu real corpo, inspirado pelo apetite que à Divina Providência aprouve conceder-me. Enquanto ao Governo, ai está essa bendita papeleta, que é a Carta da qual espero que os dignos pares e senhores deputados na Nação, continuem, como até aqui, a extrair o número de pilhérias suficientes para divertir o povo.
Com isto não enfado mais, e passo a fazer aquilo que por vós outros está talvez já feito há muito: venho a dizer – que me safo. Dignos pares e senhores deputados da nação portuguesa, está aberta a galhofa”.
(…)
“ Senhor! A Câmara ouviu com profunda sensação e ilimitado júbilo o discurso que a Coroa se dignou lhe dirigir. A Coroa pode, quando quiser, ir para casa, descalçar-se, despir-se, pôr-se à fresca, e continuar a ler as folhas sentada no penhor da paz internacional e das públicas liberdades. Praza a Divina Providência continuar a manter intacto o apetite da Coroa para as suas brioches matinais (…). Enquanto ao Governo, a Câmara espera continuar a haurir da letra da Carta e do respectivo acto adicional, as facécias necessárias para manter o espírito público no mais subido grau de satisfação e de alacridade. Deus guarde V. Majestade por longos e dilatados anos! ”
As Farpas, Ramalho Ortigão, VII, Fevereiro 1875 (excertos)
1 Comentários:
Estive a reler o "Mistério da Estrada de Sintra" do Eça e do Ramalho Ortigão, diverti-me! Sabes que eles se divertiam imenso a escrever juntos(tal como 2 outros que eu conheço!)
Agora ao reler este texto de R. Ortigão e relembrar a critica ao "governo" da época que era sempre acompanhada de deliciosas refeições, refinados vinhos e charutos cubanos (!) deu-me vontade de rir! Eles divertiam-se com a miséria em que o país sobrevivia (e sobrevive!) e acho que nós vamos passar a fazer o mesmo! Reparaste que as críticas do século XIX são mais ou menos as mesmas que as do séc. XXI? Critica-se, mas parece que pouco ou nada muda! Gostei do texto que escolheste. M. J. C.
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