Esta semana comemoram-se os trinta anos da Constituição de 1976.
Na AR, teve lugar uma sessão subordinada ao tema, na presença de muitos deputados que há precisamente três décadas atrás ocuparam aquelas bancadas na qualidade de constituintes, e num tempo conturbado de cisões e debates inflamados, tiveram nas suas mãos a concepção do modelo de pais político que Portugal seria nos tempos mais próximos.
Apesar dos erros e das contradições, apesar de alguns exageros e da perturbação normal de um período pós-revolucionário, penso que hoje podemos dizer com segurança que foram bem sucedidos na sua missão.
A Lei Fundamental da República Portuguesa revelou-se um texto com a vitalidade necessária para atravessar as mutações sócio-políticas da mudança de século e de milénio, e com as sete revisões de que foi alvo (umas mais oportunas do que outras, reconheça-se) ter-se-á aperfeiçoado continuamente, suprindo lacunas e eliminando aspectos menos coerentes introduzidos na sua formulação original, ou pelo menos certas disposições claramente datadas, que nos tempos subsequentes ao período do PREC e do Verão Quente de 75 poderiam fazer todo o sentido, mas que hoje estão visivelmente ultrapassadas.
De um modo geral, os partidos políticos com assento na Assembleia Constituída por esta Constituição, vieram reconhecer o seu êxito. Excepção feita ao CDS/PP, pela voz do deputado Paulo Portas, que intitula o texto constitucional de “erro histórico” e considera-o a “causa do atraso de Portugal” nos últimos 30 Anos. Pois bem. Tal posição não parece preocupante. A oposição do CDS a esta Constituição começou no dia em que votou contra a sua aprovação, e parece que ainda não está ultrapassada. Quanto ao Dr. Portas, não pode, por imperativo de personalidade, conviver pacificamente com a forma de governo gizada em 76 pelos deputados constituintes. Lamentamos.
Uma Constituição não tem de ser objecto de unanimismos forçados, nem tão pouco deve ser vista como paradigma da perfeição insuperável. É claro que a CRP não é perfeita, assim como nos parece óbvio que continua a conter aspectos que podem e devem ser modificados (mas o processo constituinte não é, de resto fechado à evolução).
Sem nenhuma intenção discricionária, e a título de mero desabafo (se assim o preferirem) eis os aspectos que considero que poderiam ser objecto de futuras alterações:
· O peso dado ao sector cooperativo no campo da actividade económica, ao ponto de ser considerado como limite material de revisão constitucional (artº 288 f)) parece-me desmesurado. Permitir a sua existência incumbe à lei, torná-la obrigatória, por força de uma norma constitucional é claramente excessivo;
· Os objectivos da Política Agrícola também não me parecem ter relevância Constitucional. Alguns deles, claramente a saber a “Reforma Agrária Gonçalvista”, só muito benevolamente podemos dizer que respondem aos problemas de que Portugal padece neste sector;
· No campo da organização do poder político, apesar de o modelo de relação institucional entre os diferentes órgãos parecer equilibrado, uma alteração do sistema eleitoral que facilitasse a formação de maiorias absolutas de um só partido seria desejável, na exacta medida em que também facilitaria a estabilidade governativa, diminuindo as debilidades do modelo parlamentar (a título de mero registo, recorde-se que em 32 anos de Democracia Portuguesa, a AR registou apenas 3 maiorias absolutas de um só partido (a do PSD na Vª e Vª legislaturas e a do PS na Xª legislatura); por outro lado, tivemos um total de 10 legislaturas – quando poderíamos ter tido só 8 – e dezassete governos, sendo que, de entre eles, apenas 3 cumpriram a totalidade do mandato (o XI e o XII da presidência do Prof. Cavaco Silva e o XIII liderado pelo Eng.º Guterres);
· Quanto aos poderes presidenciais, objecto de intenso debate na última campanha eleitoral (mais por ataque à figura do candidato Cavaco Silva do que pela relevância do tema), parece-me que se encontram bem definidos. Penso que a Democracia não se compatibiliza com símbolos ou figuras decorativas, por isso aprecio particularmente os Presidentes participativos, interessados, dialogantes. Mas considero igualmente que a amplitude da intervenção presidencial, pode ser perfeitamente alargada pela mera prática política, em função da personalidade do titular do cargo, e no actual quadro de poderes constitucionais. Não creio que em Portugal funcionasse bem o modelo do “presidente dirigista” da Vª República Francesa, tão à medida do General De Gaulle, seu fundador;
· Existem ainda lacunas que deveriam de ser supridas: a não referência explícita ao carácter não vinculativo das posições do Conselho de Estado (quando a prática política aponta nesse sentido), a não referência à possibilidade de alteração do programa do governo a meio da legislatura (parece-me que o texto constitucional se deveria pronunciar sobre esta matéria, ou proibindo-a, ou autorizando-a, elencando as circunstâncias em que seria possível), a não existência de um prazo máximo para que o PR promulgue uma lei constitucional…;
· A possibilidade de as Assembleias Legislativas Regionais legislarem contra as leis gerais da República, introduzida pela RC de 2004, também é no mínimo descabida;
· As alíneas f) e g) do artº 288, enquanto limites materiais à revisão constitucional, quando faltam referências a direitos económicos, sociais e culturais (aos mais importantes) e ao próprio Sistema de Governo, elemento identitário de um texto constitucional;
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