sexta-feira, março 31, 2006

Palavras Interditas (*)

Os navios existem, e existe o teu rosto
encostado ao rosto dos navios.
Sem nenhum destino, flutuam nas cidades
partem no vento, regressam nos rios.

Na areia branca onde o tempo começa,
uma criança passa de costas para o mar.
Anoitece. Não há dúvida, anoitece.
É preciso partir, é preciso ficar.

Os hospitais cobrem-se de cinza.
Ondas de sombra quebram nas esquinas.
Amo-te... E entram pela janela
as primeiras luzes das colinas.

As palavras que te envio são interditas
até, meu amor, pelo halo das searas;
se alguma regressasse, nem já reconhecia
o teu nome nas suas curvas claras.

Dói-me está água, este ar que se respira,
dói-me esta solidão de pedra escura,
estas mãos nocturnas onde aperto
os meus dias quebrados na cintura.

E a noite cresce apaixonadamente.
Nas suas margens nuas, desoladas,
cada homem tem apenas para dar
um horizonte de cidades bombardeadas.

Eugénio de Andrade (1923-2005)

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(*) não tenho por hábito publicar aqui poemas de autores conhecidos.

Os Cinco Primeiros Anos do Século XXI


2001
Foi um ano de crise para Portugal e para o Mundo. Logo após a reeleição tépida do Presidente Sampaio, abateu-se a tragédia da Ponte de Entre-os-rios, e no panorama político, entrámos no Verão com o Governo de Guterres por um fio depois de uma penosa remodelação.
A notícia de seis portugueses mortos no Brasil agitou a comunicação social em Agosto, e um mês depois, os atentados terroristas de 11 de Setembro, mudaram a nossa percepção do Mundo abrindo uma conjuntura de crise que ainda hoje faz sentir os seus efeitos.
No final de um ano de dificuldades extremas, demite-se o governo em resultado dos maus resultados do PS nas eleições autárquicas, e segundo o então primeiro-ministro, “para evitar o pântano político”. O país preparou-se para ir antecipadamente às urnas, enquanto que as sondagens apontam uma vitória do PSD.

2002- Logo no início do ano, desenhou-se uma mudança política substancial com a vitória do PSD de Durão Barroso nas Eleições Legislativas e a formação de um governo de coligação com o CDS.
São os tempos da “tanga”, da obsessão com o deficit, dos sinais notórios de crise económica, e das primeiras medidas de austeridade do Executivo, que ditaram o fim abrupto do seu “estado de graça” e a impopularidade da Ministra Manuela Ferreira Leite.
Pelo meio, temos a desastrosa participação de Portugal no Mundial de Futebol, com todos os comentários e observações que este desporto de massas consegue provocar.
O ano termina com uma notícia que escandaliza o país: os alegados crimes de pedofilia da casa Pia de Lisboa, divulgados pelos mass-media, colocavam as questões da Justiça na ordem do Dia e prometiam desenvolvimentos inacreditáveis.

2003-
É o ano dos grandes desenvolvimentos do “ultra mediático” Processo Casa Pia. Detenções inesperadas, julgamentos em Praça Púbica e um país inteiro que se divide, sob a batuta da Comunicação Social, para dizer quem é culpado ou quem é inocente.
Entretanto, outros escândalos judiciais se abatem, como o “caso Moderna”, que envolve o Ministro Paulo Portas, mas não chega a provocar a sua demissão.
Os problemas económicos abatem-se, a austeridade das medidas do governo despoleta a contestação social, e a concentração da política económica em torno do deficit das contas públicas, leva a uma intervenção calorosa do então Presidente da República, na sessão comemorativa do 25 de Abril: “há mais vida para além do Orçamento”, disse Jorge Sampaio, no seu tom invariavelmente preocupado, perante os aplausos efusivos da oposição.

2004- É o ano de todas as mudanças. A tão anunciada retoma da economia, não se faz sentir conforme previra o primeiro-ministro Durão Barroso, e o descontentamento sobe de nível.
A contestação à Guerra do Iraque, iniciada no anterior, é o tema fundamental da agenda internacional, marcada também pelos atentados terroristas de Madrid, que indirectamente levam à derrota do PP de Aznar nas Eleições Legislativas Espanholas, e à ascensão auspiciosa o líder socialista, Zapatero, ao cargo de Presidente do Governo.
Meses mais tarde, morre o Professor Sousa Franco, cabeça de lista do PS nas Eleições Europeias, terminando estas com uma derrota expressiva da coligação governamental, que leva o então presidente do PSD a ponderar a sua situação política.
O mês de Junho é a euforia do EURO 2004: as casas enchem-se de bandeiras nacionais, e o patriotismo parece reacender com a boa prestação da Selecção Nacional neste torneio, onde se sagraria vice-campeã.
Com o futebol, a agenda mediática desvia-se da questão política, e é totalmente surpreso que o país recebe a notícia da demissão do primeiro-ministro Durão Barroso, que parte para Bruxelas para exercer o cargo de Presidente da Comissão Europeia. As atenções estão agora todas viradas para o Palácio de Belém, enquanto se aguarda a solução que o Presidente da República daria à crise política gerada pela demissão de Barroso: nomear um novo governo do PSD-PP? Ou dissolver a AR e convocar eleições antecipadas.
Sampaio faz aquilo em que se revelou especialista: ouve muita gente, adia, protela, e acaba por decidir-se pela primeira hipótese, empossando um governo presidido pelo então presidente da CML, Pedro Santana Lopes.
O novo Executivo, que parte para o início de funções com poucas expectativas, agoniza, desgoverna, e durante 4 meses, perde-se em escândalos e contradições que levam, à surpreendente decisão de dissolver o Parlamento, anunciada por Jorge Sampaio em 31 de Novembro.
Mais uma vez esquerda e direita dividem-se: os primeiros contra, os segundos a favor. Os partidos de esquerda vão para eleições com lideranças renovadas, e as sondagens, apontam como certo que o novo secretário-geral socialista, José Sócrates, se tornaria primeiro-ministro.

2005- O ano começa sem grandes novidades. O PS vence as eleições com maioria absoluta, e a pesada derrota do centro-direita, precipita a demissão de Paulo Portas e Pedro Santa Lopes.
Pouco tempo depois da posse, o governo torna a confrontar os portugueses com os problemas da economia e do deficit (os mesmos que afligiram Barroso em 2002) e as medidas de austeridade são reforçadas com o aumento dos impostos.
A impopularidade de reformas sensíveis leva à contestação social, mas apesar de tudo, a estabilidade política conseguida com esta maioria absoluta, parece ser mais importante para os portugueses que querem que o governo cumpra o seu programa até ao fim.
No Verão, define-se o apertado calendário das Presidenciais: Cavaco Silva, o vencedor anunciado, retarda a apresentação da candidatura, e o PS, desprovido que está de outras alternativas, lança a candidatura de Mário Soares, nunca se conseguindo mobilizar para ela tanto quanto fazem crer os discursos do secretário-geral.
A oposição é débil apesar de renovada, continuam as reformas estruturais, e o ano encerra com uma campanha presidencial fraca, mais marcada pelo ataque pessoal do que pelo debate político, deixando adivinhar uma vitória confortável de Cavaco, apesar do unanimismo das criticas à esquerda.

quinta-feira, março 30, 2006

GALERIA DOS ESTADISTAS PORTUGUESES








POR ORDEM CRONOLÓGICA DECRESCENTE: Fontes Pereira de Melo (Ministro no período da Regeneração); D. Maria II (Rainha de Portugal, a Educadora); Sebastião José de Carvalho e Melo (Marquês de Pombal); 3º Conde de Ericeira; D. João II (O Príncipe Perfeito, rei de Portugal); D Dinis (O Lavrador, Rei de Portugal), e D. Afonso Henriques ( O Conquistador, 1º rei de Portugal).

segunda-feira, março 27, 2006

O Estado Social e o Estado Paternalista

O Estado Providência que se afirmou um pouco por todo o Mundo Ocidental no pós-segunda Guerra Mundial, entrou em crise nos anos 80, e padece actualmente de problemas graves e ambíguos.
O envelhecimento da população provocado pelo aumento da esperança média de vida acompanhado de um declínio das taxas de natalidade e do ISF, levou a um agravamento drástico dos encargos da Segurança Social com as pensões de reforma, a assistência social aos mais idosos. Enquanto isso avolumam-se subsídios de desemprego, de doença e invalidez legítimos, e todo um conjunto de subvenções duvidosas que muitos lograram obter do Estado, à custa do clima de impunidade e oportunismo que invariavelmente grassa no nosso país.
Portugal tem actualmente o seu Sistema de Segurança Social a 10 anos da ruptura, e com ele, vão uma parte importante dos direitos económicos, sociais e culturais consignados na Constituição enquanto garantias do bem-estar e da dignidade Humanas.
A situação é, como facilmente se compreende, grave. Recuse-se o carácter “displicente” das políticas neo-liberais enquanto instrumento de resolução do problema. Mas pense-se noutro, e de forma rápida. O que não podemos é todos continuar a fingir que não se passa nada, e reivindicar mundos e fundos com toda a tranquilidade, como se o Estado, para além de Social, devesse ser também Paternalista.

Citação Feminista

" Quando quiser que algo seja dito, peça a um homem. Quando quiser que algo seja feito, peça a uma mulher" - Margareth Tacther, primeira-ministra britânica e líder do Partido Conservador de 1979 a 1990.

sábado, março 25, 2006

Fundamento dos Afectos

Há dias procuraram apresentar-me uma explicação lógica para os afectos, numa teoria arrojada e racional em que tentei de imediato rever-me.
“Para não estarmos sozinhos, para revelarmos o lado positivo da nossa personalidade, para retribuir aquilo que os outros nos dedicam de bom.” Estas foram as três razões que me apresentaram sistematicamente como justificativas do sentir Humano. Ponderei-as, analisei-as, mas pareceu-me que três exemplos simples são capazes de as deitar por terra: da primeira o que dirão os que amam sem ser correspondidos, não se sentirão sós no seu sentir?; a segunda, onde contemplará o amor doentio, exacerbado, que se confunde com sentimento de posse e nada mostra de positivo?; a terceira, como explicará o amor que se devota a quem não o merece, a quem nada nos trás, de bom?
Parece-me absurdamente que os afectos não se explicam. Irrompem, brotam do Homem de formas mais ou menos previsíveis, mas desprovidos de qualquer lógica fidedigna que permita percebe-los. Afinal, não é só o que está a nossa volta que temos dificuldade em compreender. Verdadeiramente difícil é explicarmo-nos a nós mesmos.

sexta-feira, março 24, 2006

Narcisismo


Só há uma coisa a que nenhum de nós consegue ficar completamente indiferente: um elogio. O Homem é um animal naturalmente fascinado por si mesmo, e tem uma tendência especial para se tornar mais vulnerável sempre que lhe “afagam o ego” de formas mais ou menos subtis. É por isso que os arrivistas conhecem como ninguém a arte da bajulação, do elogio gratuito mas delicado, veemente. E é por isso também que invariavelmente se sagram Homens de sucesso.

quinta-feira, março 23, 2006

Teoria do Sistema

A política de culpabilização do “sistema”, auspiciosamente defendida pelo ex-presidente do Sporting, numa frase imemorial, sempre me causou e causa, alguma repulsa. Na verdade, tal não concretiza mais do que o total desvinculação do sujeito à realidade que o circunda e aos problemas de que padece, deixando-se a ideia de que estes se impõem do exterior, com força própria, contra o conjunto da sociedade frágil, pobrezinha, incapaz de os mudar.
Cabe sempre recordar, que o malfadado “sistema” não mais do que o produto das nossas interacções colectivas, tanto no plano das acções como das omissões. Por isso, ninguém pode arrogar-se o direito de o criticar como se o visse completamente do lado de fora, e quando o faz, está, ainda que não o queria, a criticar-se também a si mesmo.
Depois os “anti-sistema” são sempre uma categoria de pessoas que involuntariamente me causam um embaraçoso sorriso. Pela forma como aliam radicalismo e pragmatismo, ideologia e conformismo, ruptura e revolução. No fundo pela forma como fazem exactamente aquilo que criticam nos outros, e sabem fruir as “comodidades” do sistema, assim que tenham oportunidade para isso.
Tudo isto sem, sequer por instantes, se aperceberem de que estão a cair na incoerência!

terça-feira, março 21, 2006

Pessoa

Deus quer, o Homem sonha, a obra nasce.

segunda-feira, março 20, 2006

A Crise da Oposição

A derrota expressiva da direita e do centro-direita nas eleições legislativas de Fevereiro do ano passado, parece que ainda hoje faz sentir os seus efeitos nos partidos deste espectro político.
No primeiro ano de governação socialista em maioria absoluta, a oposição de PSD e CDS revelou-se tímida, fraca, débil, imprecisa nas situações que eventualmente poderiam ser mais criticadas, demasiado virada para dentro, desgastada pelos problemas internos de liderança.
Marques Mendes que somou duas vitórias eleitorais confortáveis em pouco menos de um ano de liderança partidária – as Autárquicas de 2005 e as Presidenciais de 2006 – não conseguiu descolar-se do epíteto de líder provisório, e continua placidamente a aquecer a cadeira, até que lá para 2008 algum dos “barões” se digne a sair da sombra e prepare o assalto final ao poder.
De Ribeiro e Castro pouco ou nada há dizer. Um líder acidental, quase forçado pelas circunstâncias, empurrado para a ribalta por falta de melhor, definhou ao longo deste tempo sobe efeito da sua notória falta de carisma, das críticas e das intrigas internas, das picardias, do distanciamento físico e político, dos conflitos e das descoordenações entre a direcção do partido e o grupo parlamentar.
Ao contrário do PSD que atravessa uma fase normalmente conhecida na gíria política como “travessia no deserto”, uma fase igual a tantas outras que já passou, o CDS está mergulhado numa profunda crise de identidade, num conflito ideológico e programático, desprovido que está da iniludível orientação política de Paulo Portas (de direita/extrema-direita, mas clara).
Não é fácil fazer oposição a um governo que está a governar bem, que conta, segundo demonstram os estudos de opinião, com a confiança maioritária dos portugueses, que tem um programa e uma liderança, ou como tanto repete o Engenheiro Sócrates, “uma agenda”. Ora essa agenda, independentemente do facto de conter ou não medidas unânimes ou do agrado de todos, aliada a condições de particular estabilidade (não havia em Portugal uma maioria absoluta de um só partido desde 1991, quando tomou posse o terceiro governo do Prof. Cavaco Silva) dá à acção executiva uma imagem de rigor e credibilidade.
Fazer oposição nestas circunstâncias implica abandonar o “déjà vu”, a estratégia da negação gratuita, do ser sempre do “contra” sem argumentos válidos, sem apresentar alternativas. Um bom governo, num sistema de cariz parlamentar como o nosso, eleva a fasquia da oposição, implica que esta desenvolva a sua actuação com mais rigor e mais exigência, com alternativa (e não apenas alternância), sob pena de ficar apagada, ou cair confortavelmente no ridículo.
Por fim o último dado da equação política actual: o novo Presidente da República. Eleito pela área do centro-direita, e fazendo questão de afirmar inequivocamente essa feição ideológica logo nas nomeações que fez para o Conselho de Estado, Cavaco Silva pode representar para os partidos do seu espectro político (particularmente para o PSD), a esperança de, pelo menos no longo prazo, funcionar como “factor catalizador” das oposições e fonte de desgaste do governo (a sua ideia de “acompanhamento exigente” da actuação do Executivo pode ser entendida nesse sentido).
Parece-me arriscado fazer previsões a esta distância, mas não resisto a dizer que, se desejar tentar a reeleição em 2011, como estou certo que fará, e, sobretudo, se o governo mantiver os altos índices de popularidade de que dispõe, Cavaco não corresponderá aos desejos da sua área política, e “coabitará” pacificamente com Sócrates até ao fim da legislatura. Tal, de resto não se afigura muito difícil, se constatarmos a notória coincidência programática entre o discurso de posse do Presidente e a agenda política do governo.
Vou mais longe: vejo em Cavaco e Sócrates e reedição da relação institucional daquele com Mário Soares, quando dirigia o seu primeiro governo de maioria absoluta e Soares ocupava Belém esperando a reeleição!

domingo, março 19, 2006

Um episódio lamentável

A iminente cena de pancadaria que fez notícia na última conferência de líderes parlamentares da Assembleia Legislativa da Madeira, é um episódio grotesco e lamentável, e os seus protagonistas, alguns dos quais já reincidentes neste tipo de práticas, envergonham a Democracia Representativa.
A vida política madeirense, cada vez mais a anos-luz do Continente, gizada pelo estilo eloquente e escandaloso do seu líder Supremo (o Presidente do Governo Regional, João Jardim), toma diariamente contornos inaceitáveis, sem que ninguém faça nada para os alterar, para além de soltar umas gargalhas histéricas, ou uns comentários tímidos, recatados, sempre com medo da retaliação de S. Exa…
Cada vez tenho mais consciência de que Portugal é um país onde tudo é possível, onde qualquer coisa (desde que vinda de certo grupo de pessoas) pode ser feita a qualquer momento sem que isso cause mais do que escândalo, sem que se sucedam consequências. E é neste clima de impunidade passiva, de permissividade apagada, que a expressão «Estado de Direito» faz cada vez menos sentido, e os cidadãos, já de si mais atraídos pela demanda mediática do que pela vida cívica, se afastam cada vez mais das instituições democráticas.

Mar do Infante (poema-Maio 2005)

O mar é feito de coral e de saudades.
E eu, Infante, jurei conquistá-lo.


Nos píncaros da Epopeia Celeste,
O destino dos Homens
Decide-se no casco das minhas caravelas
Que atravessam o Mundo.
Vencem monstros temerosos
E perigos vários,
Enfrentam a fúria das ondas
E os ódios de Baco.

Protegidos por Deus
(se é que Ele existe),
Protegidos por mim
Que os oriento e guio,
Protegidos por eles próprios,
Porque a coragem defende
O seu domador. E um homem valente,
Nunca está sozinho,
Está sempre consigo!

No infinito dos mares
Esmagam-se as profecias perversas
De Deuses ociosos e Velhos do Restelo.
Na luta diária pela própria vida,
Conquista-se mais um pedaço de Mundo
E uma página de História.

17/05/05
Revisto em 19/03/06

segunda-feira, março 06, 2006

Políticos e Homens de Estado

"Vous êtes un homme politique. C’est bien, il en faut. Mais, en certaines circonstances, les hommes politiques doivent savoir se hausser au niveau des hommes d’État. "- De Gaulle, enquanto Presidente da República de França, dirigindo-se ao então deputado socialista François Miterrand, 1958.

sexta-feira, março 03, 2006

Sampaio de saída

Agora que estamos a escassos dias do termo do mandato do Presidente Sampaio, os analistas políticos enchem os jornais de comentários e avaliações do seu desempenho enquanto PR, nestes dez anos que ocupou Belém.
Já aqui escrevi sobre Sampaio em Janeiro, no calor dos resultados das eleições que ditaram o seu sucessor. Reafirmo na íntegra aquilo que então tive oportunidade de dizer, sem o repetir porque tal seria cansativo. Agora, também em jeito de despedida, e porque não quero fugir ao tema que parece estar a marcar a agenda política, resta-me acrescentar que Jorge Sampaio é uma das figuras da vida política portuguesa que admiro profundamente, pelo estilo, pelo seu modo de estar na vida pública, pelo discurso apelativo, preocupado, não-retórico mas com conteúdo (aliás, neste ponto parece que tem algumas hipóteses de ser seguido pelo Professor Cavaco), pelo agir diplomático, contido, moderado, “politicamente correcto”, preciso nos momentos que pedem a sua intervenção (não vejo aliás por que é que esta “diplomacia” incomodou tanto. Certamente que nada abonava em nosso favor termos um Chefe de Estado que “partisse a louça” e semeasse a confusão; deixemos isto para os partidos radicais com assento na AR).
Há quem diga que Sampaio se arrisca a passar incógnito, na História feita por quem contar estes dez anos da nossa vida colectiva. Não partilho desta opinião, mas vou lembrando que a estabilidade, esse valor tão invocado nos últimos tempos, se deve mais aos “normalizadores” do que aos “revolucionários”.

quinta-feira, março 02, 2006

Esquerda, Direita e Centro


No século passado, a esquerda e a direita eram pólos de uma discussão teórica na qual não havia lugar para a neutralidade, concepções completamente antagónicas do mundo e da sociedade.
Hoje há quem defenda que tudo mudou. De tal modo que o que distinguiria a esquerda da direita nos nossos dias, não seria mais o discurso ou a ideologia, mas apenas o procedimento, o modo de agir, a metodologia empregue na consecução de objectivos de certa forma unânimes.
Não concordo. Diria que as barreiras ideológicas se esbateram, mas permanecem divergências de fundo, divergências estruturais que não podem remeter-se meramente a uma questão de forma.
Mas é indesmentível que há temas comuns, é indesmentível que ganha importância um certo entendimento moderado, que passa pela busca de uma situação de equilíbrio estratégico através da associação cuidada de elementos programáticos de ambas as áreas do espectro político.
Ora, esse espaço de moderação é o que vulgarmente designamos por «centro». O «centro» não pode ser entendido de per si com uma ideologia; tão pouco pode ambicionar atribuir o mesmo grau de importância às propostas de intervenção que colhe de cada um dos pólos, pois tal seria naturalmente uma incoerência. Mas é seguramente uma tendência, que implica, apesar da coexistência de ambos, o primado de determinados elementos ideológicos sobre outros.
O «centro-direita» e o «centro-esquerda» são as duas orientações moderadas, conciliadoras, que têm dominado a cena política portuguesa nos últimos anos. Não se identificam claramente com nenhum partido político – ao contrário da “esquerda” ou da “direita” “puras”* – mas ocupam um terreno estratégico muito importante nos dois principais partidos do nosso Regime (o PSD no primeiro caso e o PS no segundo).
As vozes mais ortodoxas da vida partidária portuguesa, têm recusado, com alguma veemência estas designações, acusando-as muitas vezes de “revisionistas”, numa tentativa frustrada e também algo deselegante de fugir às evidências. O que seria então o lema da “esquerda moderna” que levou José Sócrates à liderança dos socialistas em 2004, se não uma orientação clara do partido para a área do centro-esquerda? E como explicar a unanimidade dos últimos governos (de áreas políticas diametralmente opostas na formulação mais radical de “esquerda VS direita”) na prioridade a atribuir a questões como a economia ou a estabilização das contas públicas?
O fantasma do “centrão” já não faz qualquer sentido, do mesmo modo que se tornou completamente ridículo aquele pudor “pós-25 de Abril” de não falar em “direita” sem a colar ao “centro”, para efeitos de moderação.
A esquerda, a direita, o centro-esquerda e o centro-direita são quatro orientações políticas distintas, com estilos de actuação e discursos próprios e, se vivemos numa sociedade Democrática e Pluralista, não há nenhum motivo para que não assumamos com toda a tranquilidade com qual delas nos identificamos.

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* - Na verdade o que proponho é que, com as orientações políticas, possamos fazer um raciocínio semelhante ao que Aristóteles propôs para as formas de governo.
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