O quarto Presidente da República Portuguesa, Sidónio Bernardino da Silva Pais, nasceu em Caminha no dia 1 de Maio de 1872 e faleceu em 14 de Dezembro de 1918, alvejado a tiro na estação do Rossio.
Filho de Sidónio Alberto Marrocos Pais e de Rita da Silva Cardoso Pais, Sidónio foi sempre um jovem discreto e compenetrado, características que em nada deixariam adivinhar o carisma político que revelou na idade adulta e que o conduziu ao cargo de Presidente da República.
A sua actividade profissional desenvolveu-se essencialmente em duas frentes: na Universidade, onde, depois de concluir a licenciatura em Matemática em Coimbra, atinge a categoria de professor Catedrático da Academia, leccionando a cadeira de Cálculo Diferencial e Integral; e nas Forças Armadas, ingressando na Escola do Exército e na armada de Artilharia, e vindo mais tarde a ser sucessivamente promovido, primeiro a Alferes (1892), três anos depois a Tenente, e finalmente, com 28 anos de idade, a Capitão.
Politicamente, será um republicano convicto, da ala mais conservadora do Regime, o que pode talvez ser explicado pelo sistema de valores que lhe foi inculcado no ambiente familiar, e também pela sua carreira militar, sector onde os princípios da “ordem”, da “hierarquia” e da “disciplina” estiveram sempre particularmente presentes.
Contudo, apenas nos tempos de estudante universitário viria a manifestar as suas preferências políticas – Coimbra teria um papel relevante no arreigamento à causa Republicana, conforme acontecera com inúmeras outras personalidades da elite política e cultural do país, inclusive com os anteriores Chefes de Estado –; nesta altura, participa em acções de luta contra a Monarquia e entra para a Maçonaria, tomando parte nas sessões da loja de «Estrela de Alva».
Militante do Partido Unionista, dirigido por Brito Camacho, com a Implantação da República, Sidónio Pais consegue pela primeira vez algum protagonismo na cena política, iniciando um percurso que se auguraria promissor: como deputado Constituinte, participa na feitura da Constituição de 1911, de pendor Democrático e Parlamentar e posteriormente entra para o governo, assumindo, primeiro a pasta do Fomento, no Executivo de João Chagas e vindo depois a tutelar as Finanças, já com Augusto Vasconcelos como presidente do Ministério. Desenvolve também alguma actividade diplomática, quando é nomeado Ministro de Portugal em Berlim, de onde regressa em 1916 quando a Alemanha declara guerra a Portugal (no contexto internacional da I Grande Guerra, que começara dois anos antes na sequência do assassínio de Francisco Fernando, herdeiro do trono do Império Austro-Húngaro).
Estávamos nesta altura num dos períodos mais críticos da 1ª República. A crise económica agravara-se com a entrada de Portugal na Guerra, ao lado da «Tríplice Entente», a contestação social aumentava, os governos do Partido Democrático sucediam-se sem resolverem os problemas do país e o Presidente Bernardino Machado, destituído de poderes constitucionais significativos, pouco mais podia fazer do que moderar os ânimos, apelar ao entendimento e evitar as dissidências. Paralelamente, recrudesce o descontentamento de alguns sectores da sociedade com o Regime – as elites burguesas, a população do interior do país e sobretudo os mais religiosos, afectada que tinha sido a Igreja com a obsessão “anti-clericalista” do novo poder político, e reforçada que saíra a fé com a polémica das aparições de Fátima, que entretanto galvanizava o país –.
Pela primeira vez ganha significativamente terreno a ideia de que Portugal precisava de um “Salvador Providencial”, de um líder carismático e determinado, que retirasse o país do caminho da crise e instaura-se a paz, a ordem e a disciplina.
É o mito do “Messias político”, da “mão-de-ferro oportuna”, alimentado por alguns vultos de maior nomeada da cultura nacional, designadamente pelo poeta Fernando Pessoa, que chega a acreditar ser Sidónio o homem certo para tirar o país do estado de decadência em que mergulhara desde a crise do Império Colonial.
Sidónio Pais, politicamente astuto, consegue aperceber-se das movimentações sociais formadas em seu torno, e decide aproveitar-se das condições particularmente oportunas, para tomar o rosto da oposição ao Regime e se perfilar como o almejado “Salvador”, encarnação possível do mito sebastianista de Bandarra.
Para ser visto como o líder carismático procurado, socorre-se do prestígio que a carreira militar lhe proporcionara, e é assim que, com o apoio dos Republicanos conservadores, lidera o Golpe de Estado que em Dezembro de 1917 derruba a «República Velha», praticamente sem resistência.
Chegado ao poder por via revolucionária, trata de legitimar-se imediatamente e de lançar as bases dum Regime à sua medida: a «República Nova», espelhando uma ideia de regeneração e dinamismo e também de ruptura com o Sistema vigente desde 1911, sem opção pela via monárquica.
Hesitante de início quanto ao cariz desse Regime, opta rapidamente pela alternativa totalitária, afastando os opositores e isolando-se no controlo do aparelho político, pelo que, até pelas semelhanças com o futuro Fascismo Italiano, a sua passagem pelo poder, é, em certa medida, percursora das Ditaduras Modernas.
Através dos Decretos números 3907 e 3997, considerados material ou substancialmente como leis constitucionais, altera a Lei Fundamental de 1911, instituindo um Sistema de Governo Presidencialista com um Chefe de Estado eleito por sufrágio universal (e não já escolhido pelo Congresso), pelos cidadãos do sexo masculino maiores de 21 anos. É nestas condições que é reconduzido ao cargo de Presidente da República em 9 de Maio de 1918, tornando-se no primeiro Presidente Português a ser escolhido popularmente (mas não democraticamente, em face das condições em que decorreu o sufrágio e dos próprios termos da Lei Eleitoral).
Nos termos da Constituição, depois da revisão sidonista, o Presidente da República, considerado o «Supremo Magistrado da Nação» - num registo já muito a invocar o “Salvador Providencial” que se deveria venerar – passa a ser o Chefe Supremo das Forças Armadas e perde o seu estatuto apagado, podendo nomear e demitir livremente os Ministros. Com o desaparecimento da figura do “Presidente do Ministério” (equivalente ao actual primeiro-ministro) o Chefe de Estado é na verdade a cabeça do Regime e o principal orientador da sua actividade política.
Por outro lado, os Ministérios passam a chamar-se Secretarias de Estado e no plano legislativo, mantém-se o Parlamentarismo Bicameral, com uma Câmara dos Deputados e um Senado (este sim uma novidade, visto introduzir em Portugal o princípio da representação corporativa, mais tarde acolhido por Salazar) com elementos designados de entre as associações patronais, os sindicatos, os representantes das indústrias, as corporações de profissionais liberais…
Pela dimensão das alterações introduzidas, alguns autores falam mesmo no aparecimento duma nova Constituição – a Constituição de 1918 – posição que, se do ponto de vista dos princípios, do projecto de Estado e de Direito (melhor dizendo, da Constituição Material) pode ser considerada, no plano jurídico-formal é passível de críticas, uma vez que a Constituição Formal continuou na prática a ser a mesma.
Durante cerca de um ano, todo o aparelho político gira em torno do Presidente Sidónio, tomando ares de Ditadura, e subalternizando-se os restantes órgãos e representantes políticos.
Mercê de políticas de conciliação (como a alteração da Lei de Separação entre o Estado e a Igreja e o reatamento das relações com a Santa Sé) o seu consulado começa nitidamente em «Estado de Graça», conseguindo conquistar desde logo o apoio dos sectores mais conservadores da população, afastados do Partido Democrático. Mas rapidamente a situação resvala para a crise, com o recrudescer dos problemas económicos e da contestação social, especialmente à participação na I Guerra (na qual Portugal entrara para credibilizar o Regime), vista agora como caótica, depois da pesada derrota das tropas lusas na Batalha de «La Lys».
Passando de «Salvador Providencial» a «tirano», Sidónio toma posições de força para tentar recuperar o controlo da situação, mas a fragilidade da sua política é cada vez mais evidente, enquanto que a sua impopularidade provoca ódios e desperta o sentimento de revolta.
Em 5 de Dezembro de 1918 é vítima de um primeiro atentado ao qual consegue escapar ileso; mas onze dias mais tarde não tem a mesma sorte, e é assassinado a tiro por José Júlio Costa (um sidonista rural), na Estação do Rossio, quando se preparava para embarcar para o Porto.
Acreditou-se durante algum tempo, que antes de cair por terra morto, terá afirmado qualquer coisa como “morro feliz, salve-se a Pátria”, mas hoje defende-se que a morte foi instantânea, sendo este um episódio “acrescentado” à História dos factos, para enaltecer a figura do Presidente Sidónio.
Após a sua morte, ainda se manifestaram intenções de reimplantar a Monarquia, mas os adeptos da «Republica Velha» mobilizaram-se no Norte, e, com o apoio de algumas unidades militares e a falta da figura enformadora da «República Nova», reinstala-se o Regime instaurado em 5 de Outubro de 1910, nos termos definidos pela Constituição de 1911 antes da revisão sidonista.
Sidónio Pais foi o segundo Chefe de Estado Português a ser assassinado no exercício de funções – o primeiro tinha sido El-Rei D. Carlos, no regicídio de 1 de Fevereiro de 1908, portanto no mesmo século –; nada humilhante para um país dito de “brandos costumes”!
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Cfr, FREIRE, André e PINTO, António Costa, O Poder dos Presidentes, pp. 17-19.